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O que que o Baiana tem?

O tempo passa, o mundo voa e ninguém tira do boca a boca o poder de fazer a informação chegar do modo mais eficaz e verdadeiro possível. É perceber o brilho no olho vindo de um testemunho em que podemos confiar e a partir daí acreditar naquilo até que se prove o contrário. Na tarde dessa sexta feira, dia 08, minha esposa recebera uma mensagem de zap lá de Salvador dizendo: “Você precisa ir num show do BaianaSystem… é uma experiência sensorial indescritível”. Ela me mostrou esse áudio bem no dia em que eu ia escrever minhas impressões sobre a banda ao vivo e a empolgação daquela voz me chamou bastante atenção, não era apenas a música em si ou mesmo o grande show da nova revelação do momento, era se experimentar sensorialmente. Enquanto me preparava pra tal, me dei conta que os números apontavam mais de 2000 ingressos esgotados rapidamente por um público sedento por essa experiência.

A magia emanada pelo palco do Circo Voador é ímpar. Potencializa, filtra e catapulta tudo que por ali passa e nesse caso sob o efeito “primeira vez na Lona”. O interessante foi ver o público chegando e conversando entre si naquele mesmo tom da mensagem que eu havia escutado horas antes. Os mais sintonizados já estavam empunhando suas máscaras enquanto BNegão fazia as honras da casa ambientando sonoramente com maestria o rito que estava por vir.

Fotos: Felipe Diniz

Com energia densa e em meio ao clima de constante ebulição, a banda entra carregada pelo peso do soundsystem num quebra cabeça que mistura o engajamento hip hop, o balanço jamaicano e uma boa dose da hipnose eletrônica, unindo a força de viradas percussivas aos riffs inspirados da guitarra baiana muito bem timbrada de Roberto Barreto. É iniciado um ritual dançante que traz ijexà, frevo e o samba do recôncavo, e chega evocando todo lado espiritual da cultura negra que Salvador respira historicamente.

Russo Passapusso não canta apenas, ele rege, entoa e incorpora quase que um personagem entidade pautado na legitimidade de quem se garante ser como realmente é. Um desses artistas raros de se encontrar num mundo cada vez mais viciado nos experts do “parecer que é”. A sensação que tive ao vê-lo em ação me levou imediatamente à seguinte reflexão: espero que esse aí não precise morrer pra ser reconhecido como um dos grandes representantes da nossa geração. Ele empunhava suas referências durante a apresentação com amor, gratidão e a seriedade de quem compactua com a mesma luta delas. De Marighella à Black Alien, de Luiz Gonzaga à Tom Jobim, entre a capoeira de Bimba e o Maculelê, Russo é um mestre de cerimônia singular armado com letras consistentes e uma linguagem imagética própria.

A platéia foi um show a parte. Uma espécie de roda de pogo inclusiva orquestrada pelas raiadas experientes que a banda lançava mostrando o que a vanguarda da música baiana carrega em seu DNA ao lidar com um público ávido por novas sensações. A dinâmica musical dos músicos se confundia a uma dinâmica humana que precisa de catarse pra se expressar. Tira o grave, abaixa, volta e explode. Nessa noite eles eram um só, afinal estavam todos cumprindo as “regras do role” que a produção divulgou pelas redes. Um público que além de fiel entende que disciplina é liberdade.

O show se recria sonoramente e visualmente sem parar até que BNegão vem pro palco na posição de convidado, padrinho e fonte inspiradora com a sapiência de quem segue renovando sua própria história por onde passa. Entre a Roda Furacão e os versos do Planet Hemp, de espetadas ao Prefeito Universal a momentos explosivos como a Verdadeira Dança do Patinho, esse encontro tão bem azeitado mostra a sintonia política e ideológica que uma proposta contestadora por natureza pode abarcar.

A lona voadora tremeu. Mais um momento memorável que tirou o fôlego de quem se permitiu viver sensorialmente sua própria experiência. Agora, sobre a pergunta do título, a resposta não é estática. Ela vive em movimento e está contida na própria pergunta. Acredito que saber ser passado, presente e futuro é o que está em jogo em nossa existência e entendi que o BaianaSystem é o resultado dessa questão quando Russo gritou pra quem quisesse ouvir: “Isso aqui é Física Quântica. Quem vai incorporar comigo?”


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