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Sentenças de Elis


“Pai, quem é esse tal de Deus que vocês falam tanto?” Passei dias pensativo em como explicar pra ela quem era Ele. Morávamos perto do mato e Elis tinha acabado de fazer 3 anos. Começei ali a perceber como as crianças têm uma visão singular do nosso piloto automático. Certa vez na mesa de almoço ela questionou uma ação minha dizendo: Como é que você quer que eu faça sendo que você não faz? Isso soou pra mim quase que como um toque divino. Educar é também se educar e a força do exemplo é maior que qualquer argumento bem construído. Aliás, a beleza da teoria não garante em nada a sua eficácia. A pureza, ora inocente e ora cruel das criancinhas me fascina. Numa noite começamos a rezar antes de dormir e ela foi pedindo ao papai do céu pelas crianças na rua desamparadas e citou os membros da família pra que ele protegesse. A emoção que sentia disfarçada no silêncio pra contemplar aquele momento foi abalada na hora que ela disparou no final de sua oração: “Mas Deus, te agradeço por tudo e queria fazer um último pedido muito importante... Fala pro meu pai parar de comprar esse pote de Nutella pequeno que ninguém merece. Eu quero é aquele grandão!” E lá estava eu levando mais uma aula daquela especial alma feminina. A cada ano que passava percebia que se eu anotasse suas perguntas e descobertas, teria uma fonte de inspiração inesgotável. Numa conversa sobre valores existenciais, ela me desvendou um pensamento do tipo: “Pai, então caráter é aquilo que a gente faz quando ninguém tá vendo”. Talvez ela nem tenha se dado conta do tempo que tinha que eu buscava uma explicação desse tipo. Nossos filhos, nossas respostas. Uma luz que pode cegar, mas que não para de iluminar. Numa dessas fases difíceis de provação que passamos em nossa trajetória, Elis me liga pra dizer que descobriu as soluções pra quem quer viver de arte no Brasil. “Pai, ser artista não é fácil pelo que você me conta, mas ontem na TV vi os professores reclamando que são muito mal tratados e desvalorizados. Se um dia eu topasse ser artista, seria professora também. Essa combinação pode dar muito certo! Um tá criando e o outro ensinando e aprendendo. Juntando os dois pode ser que funcione ”. Apenas lembrei que Bruce Dickinson, vocalista do Iron Maiden, é professor de história. Hoje, além de músico e compositor, também comecei a dar aulas de capoeira. O que ela viu aos 9 anos e eu só reconheci aos 40. Nesse caminho aproveitamos e gravamos um disco, plantamos uma árvore e agora é a hora do livro. Nossos filhos, nosso espelho.






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